Na área dos estudos afro-brasileiros, o debate sobre a necessidade de iniciação e/ou participação engajada de quem pretende realizar suas pesquisas junto às comunidades tradicionais de terreiro mobilizou diversas questões, ao ponto de uma autora de referência como Juana Elbein dos Santos em “Os Nàgô e a morte” (1976) defender uma postura iniciática. Por outro lado, no campo das ciências sociais da religião, já tivemos discussões sobre a “pureza” ou “impureza” acadêmica de intelectuais que estariam contaminados por seus “objetos” de estudo, como o argumento defendido por Antônio Pierucci em “Sociologia da Religião – área impuramente acadêmica” (1999) de que a sociologia da religião era uma área menor por ser praticada, também, por religiosos. Ao mesmo tempo que perspectivas mais experimentais foram desenvolvidas, como a sugerida por Otávio Velho em seu célebre artigo, “O que a religião pode fazer pelas ciências sociais?” (1998). A nossa proposta neste dossiê é resgatar esses debates mas com outros elementos em jogo. Estamos interessados em ciências sociais da religião, em especial pela perspectiva antropológica, focada nas experiências das religiões de matriz africana, indígena, afroindígena e das religiões da encantaria. Dentro dessas religiões, há uma série de seres que possuem centralidade na dinâmica da vida social, segundo as pessoas que convivem com eles e são especialistas nessa convivência. A antropologia, embora tenha dedicado muitas páginas para essa centralidade, por vezes codificou esses seres (orixás, voduns, inquices, caboclos, guias, encantados e etc.) como se fossem exatamente símbolos ou especificamente realidades culturais e socialmente construídas. O nosso objetivo nesse dossiê é reforçar um procedimento ético e epistemológico de que se as pessoas que convivem com esses seres os tratam com atenção e cuidados específicos, a antropologia interessada nesse contexto deve desenvolver também cuidados e modos de lidar com esses seres no campo da pesquisa. Nessa proposta, orixás, inquices, voduns, entidades espirituais, seres encantados e outros fazem parte daquilo que interpretamos como o social. O dossiê pretende receber pesquisas etnográficas e/ou exercícios de imaginação antropológica que considerem esses seres em suas importâncias nos campos das diásporas africanas, os fluxos afro-brasileiros, indígenas e afroindígenas e seus agenciamentos. Priorizaremos reflexões que experimentem o diálogo e insiram esses seres, de múltiplas formas, na pesquisa antropológica. Essa virada para a “vida social dos espíritos” não significa, também, que a arena das relações raciais e da política estejam ausentes, mas que a vida social e política pode, e certamente está, habitada por essa composição de seres e agência distribuída. Cronograma: Abertura do dossiê e recepção de textos: 2 de maio de a 23 de julho de 2024. Avaliação e pareceres: 24 de julho a 24 de agosto de 2024. Revisão, editoração e finalização: 25 de agosto a 25 de setembro de 2024. |