Teoria política

Programa de Pós-Graduação em Ciência Pol

Resumo


Tempo houve – a segunda metade do século XX, mais ou menos – em que a apresentação do número de uma revista de ciência política dedicado à filosofia política deveria, inevitavelmente, começar com o tema do conflito entre as duas culturas, a ciência e a filosofia. A reflexão mandatória tinha menos a função de esclarecer qualquer coisa que de oferecer alguma observação abonadora a respeito de um gênero de inquérito cujos exemplares não tinham outra nota em comum que o fato de não obedecerem aos cânones metodológicos da pesquisa social empírica. Filosofia – ou teoria – política tinham, nessas reflexões, uma definição negativa tácita: eram mais ou menos aquilo que não era ciência, o que, por sua, vez, requeria alguma justificação pro forma.

            É um tempo que passou. Não porque a questão tenha sido dada como resolvida no plano das ideias, mas porque o mero cotidiano da prática científica se encarregou de mostrar que o programa, cientificista mais que científico, de enquadrar todos os objetos da ciência política nas regras de investigação de uma única matriz metodológica tem mais a perder do que a ganhar. O que se ganha em precisão descritiva não compensa o que se perde em amplitude de horizonte. Uma ciência política que faça jus ao nome deve ser uma ciência capaz de integrar na explicação das coisas políticas ordens de realidade tais como ideologias políticas, o Estado, a guerra, a longa duração histórica, que não admitem um tratamento meramente empírico. E deixar a investigação desses e outros temas para disciplinas adjacentes como a Filosofia, a História ou a Antropologia não parece ser uma solução sábia. A falta do acordo metodológico implícito que se chama paradigma, que caracteriza a investigação filosófica (acordo cuja função, aliás, como a dos dogmas, é mais de ordem retórica que propriamente epistêmica), é, ao fim, um subproduto talvez indesejável, mas inevitável, do projeto que subjaz à própria atividade do conhecimento humano sistemático: saber mais e integrar mais o que se sabe. Não faz sentido abandonar este por causa daquele.

             O que une os estudos que o leitor tem pela frente não é, pois, o método, mas os objetos (para usar o linguajar escolástico: não é o objeto formal e sim o objeto material). Desde diferentes pontos de vista, que ora se aproximam da filosofia, ora da história das ideias, ora da antropologia, eles tratam todos daqueles que são os temas clássicos da Ciência Política: o Estado, a natureza do conflito militar, o sentido da história.

            O artigo de Paulo Henrique Paschoetto, O tempo do liberalismo político: a emergência da linguagem política liberal, o historicismo e a modernidade, mostra como o liberalismo francês do período pós-revolucionário é muito mais que um esquema abstrato de princípios de como uma sociedade liberal deve ser, embora seja isso, em alguma medida. O liberalismo francês é uma linguagem política que, para fazer frente às linguagens políticas rivais, precisar elaborar uma heurística que a permita reinterpretar o significado histórico da Revolução Francesa, transformando-se, assim, em uma filosofia da história.

            O artigo de Maurício G. Righi, Mobilização bélica na modernidade: uma perspectiva histórico-filosófica do papel da guerra na formação do Estado Moderno, mostra, através da consideração de diferentes episódios da história militar antiga e com a ajuda das ideias de René Girard, como a guerra moderna, vista do ponto de vista antropológico, representa um paradoxo moral. Por um lado, ela não é cruel. O ethos guerreiro individual que caracterizava a guerra antiga e era, em última instância, o responsável pelo seu barbarismo espetacular, foi tornado obsoleto pela tecnologia militar. A guerra moderna é feita por homens pacíficos. Homens que desejam a paz e não a guerra, ao contrário dos guerreiros primitivos. É o que permite que ela possa converter-se, como a guerra antiga não podia, em uma guerra de extermínio dos violentos pelos pacíficos.

            O artigo de Wilson Franck Júnior, A imanentização do Eschaton em Joaquim de Fiore e sua influência nas modernas ideologias progressistas da história, recupera a tese clássica de Eric Voegelin de que a tópica das ideologias políticas modernas é uma variação sobre temas religiosos sugeridos, inicialmente, pela teologia medieval. A ideia de progresso, por exemplo, sem a qual ideologias modernas como o marxismo não seriam o que são, é uma variação em torno do tema do Escathon, o fim dos tempos, presente na teologia cristã desde seu início. Joaquim de Fiore, um religioso italiano do século XIII, foi um dos primeiros a sugerir a tese de que o Escathon não se realizaria em outra ordem de realidade, em outro tempo, como dizia a teologia oficial da igreja, e sim neste tempo e neste mundo. Daí a expressão “imanentização do Eschaton”. O fim dos tempos deixa de ser considerado transcendente e passa a ser aguardado como algo imanente. Joaquim de Fiore pode, por isso, ser considerado o patrono do pensamento progressista moderno.

            O artigo de Carolina Carreiro Alencar de Carvalho, Estado, racismo e epistemicídio: uma crítica decolonial da modernidade, levanta uma acusação à ideologia moderna como um todo. De acordo com a linha de pensamento de autores decoloniais, como Seyla Benhabib e Homi Bhabha, ela argumenta que o Estado moderno só pôde consolidar sua autoridade sobre todo o globo graças à ideia de que ele era portador de uma verdade universal, superior às verdades particulares dos outros povos. A razão moderna está, portanto, ligada ao processo de colonialismo, assim como ao de “epistemicídio”: a destruição não de um grupo humano físico, mas de sua visão de mundo.

Este número da Revista Conexão Política ainda conta com uma resenha, de autoria de Pedro Henrique Mourão Barreto e trata do livro “O Estado tecnocrático” de José Pedro Galvão de Sousa. O livro foi publicado em 2018 e apresenta uma análise sobre a preponderância do poder da técnica e dos burocratas sobre a ação dos estadistas. É uma chamada para que se possa entender os tempos vindouros. Essa realidade teria como síntese a interação entre capitalismo e socialismo e a homogeneização das relações humanas.

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DOI: https://doi.org/10.26694/rcp.issn.2317-3254.v7e2.2018.p%25p

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ISSN 2317-3254