MÉTODOS, METODOLOGIA DE PESQUISA, CONCEITO E APLICAÇÕES
Resumo
Dossiê: Métodos, metodologia de pesquisa, conceito e aplicações
Carta Convite ao(à) aspirante à pesquisador(a): metodologia em linguagem fácil
A experiência de lecionar metodologia nos ensina que a universidade ainda prepara muito pouco os alunos e alunas para o pensamento científico e, portanto, para o pensamento crítico. A lente do olhar metodológico deveria chegar muito antes de o estudante ingressar no mestrado ou no doutorado. Ela prepara a pessoa para um olhar às informações que lhe chegam, a desconfiar delas e a refletir sobre como se sai do senso comum e se constroem inferências válidas. E isso não é elementar. A dissonância cognitiva coletiva que assola o Brasil nos últimos anos é sintoma disso: cidadãs e cidadãos incapazes de identificar notícias falsas e informações fantasiosas divulgadas de má fé.
Nas últimas décadas, dentro das Ciências Sociais e, mais especificamente, da Ciência Política, tem se observado uma valorização da metodologia como um pilar da formação de pesquisadores e pesquisadoras, independentemente da linha de pesquisa. Quando o primeiro Programa de Mestrado em Ciência Política foi criado no Brasil na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1965 (SÁTYRO et al., 2021), o grupo de jovens pesquisadores, ainda sem doutorado completo, não poderia imaginar o que seria a formação oferecida nos 61 programas de pós-graduação em Ciência Política e Relações Internacionais espalhados por todo o país quase seis décadas depois. Esforços como o curso de férias de Métodos Quantitativos (famoso MQ) que começou a ser oferecido pelos Departamentos de Sociologia e de Ciência Política da UFMG (capitaneado pela professora Neuma Aguiar), ainda ao final da década de noventa, espraiaram-se e se tornaram comuns e de altíssima qualidade pelo Brasil afora no campo da Ciência Política e das Relações Internacionais. Atualmente, praticamente todos os grandes programas de pós-graduação em Ciência Política oferecem versões distintas de cursos (seja de verão ou de inverno) de formação metodológica para além da estrutura curricular. Longa também foi a caminhada para que pudéssemos ter uma Ciência Política internacionalizada com centros de pesquisa em todas as universidades, conversando e criando parcerias de pesquisa com todo o mundo, o que não seria possível sem uma sedimentação metodológica consolidada. No entanto ainda é preciso cuidar da formação em desenho de pesquisa, métodos e técnicas, da básica à avançada, oferecida aos nossos estudantes tanto de graduação quanto de pós-graduação.
Na última década, houve uma mudança substantiva na produção da área, e passamos a encontrar em periódicos nacionais artigos, em português, tratando de diversas técnicas e estratégias de cunho exclusivamente metodológico, das mais básicas às mais sofisticadas. Atualmente, se se realiza uma busca simples em uma base nacional de periódicos, em português, serão encontrados textos sobre metodologias de pesquisa com uma facilidade que não existia há duas, três décadas atrás. São trabalhos sobre o que é e como fazer, desde estudos de caso, rastreamento de processos, análise de conteúdo, análise de discurso à regressão com dados de painel e sobre epistemologias tradicionais e feministas. Ou seja, o rol de ofertas de trabalhos vai de abordagem qualitativa interpretativista à totalmente positivista, da etnografia política aos experimentos. Uma oferta inexistente para gerações anteriores.
E assim, aos poucos, a formação metodológica vai ganhando densidade também na graduação, deixando de ser prioritariamente matéria da pós-graduação stricto sensu como o era anteriormente. Esse Dossiê faz uma contribuição singela ao juntar alguns textos introdutórios que servem tanto para a graduação quanto para a pós-graduação. Aqui o leitor e a leitora encontrarão sete artigos, sendo seis originais, partindo um método qualitativo interpretativista sobre como pensar metodologia em teoria dentro da Ciência Política, passando pelo de cunho qualitativo mais positivista e chegando a questões mais técnicas de como pensar e lidar com o problema da endogeneidade em pesquisa.
E foi no âmbito da sala de aula que esse Dossiê surgiu, resultado de preocupações de quem observa o cenário do ensino de metodologia em seus vários níveis e modalidades. Ele abre com um ensaio singelo de minha autoria com “Dicas sobre como escrever projetos de pesquisa” desenvolvido no âmbito da disciplina de Seminário de Dissertação no PPGCP-UFMG. O artigo visa a subsidiar aqueles que estejam, porventura, tendo de lidar com as dificuldades de escrever um projeto de pesquisa ou algumas coisas que vão além de como escrever um resumo para artigo. O trabalho parte de reflexões de sala de aula e se propõe a contribuir para diminuir a lacuna de material que guie o aluno e que se proponha a responder questões, a começar de abordagens interpretativistas até perspectivas dedutivas. Ele também traz bastante exemplos de trabalhos de colegas que transitam em diferentes métodos. Os próximos cinco artigos também são consequência direta da sala de aula, neste caso são trabalhos finais da disciplina Metodologia I, portanto todos visam a uma linguagem acessível e a questões introdutórias.
No artigo “Estudos de caso para a Ciência Política”, Flora de P. G. H. Maia e Maria Clara de M. Maia trazem um artigo para iniciantes que parte de uma crítica à histórica contraposição simplista entre abordagens quantitativas e qualitativas que, em geral, deixa espaço para considerar estudo de caso como uma metodologia mais fraca. As autorasfazem um apanhado das potencialidades e das fraquezas características do estudo de caso, apresentando definições básicas e indicando situações de pesquisa em que o estudo de caso se encaixa melhor. Depois elas enfatizam a necessidade de haver rigor metodológico e trazem três exemplos de pesquisas em Ciência Política, que são estudos de caso com formas de operacionalização bem distintas.
João P. N. Gabriel e Fabiano da S. Pereira também estão preocupados com capacidade inferencial no artigo “A validade das inferências causais produzidas pelo método Process Tracing”. Nesse caso, discorrem sobre as capacidades do método de rastreamento de processos em produzir explicações causais válidas. O artigo é organizado em três questões centrais: as características e potencialidades do método Process Tracing; as suas potencialidades na produção de inferências causais válidas; e, por fim, foca em testes empíricos que permitem maior alavancagem inferencial através do rastreamento de processos.
Em “O que é uma boa teoria positiva em Ciência Política?”, Carla P. Silva traz uma discussão sobre critérios previamente definidos para a crítica de teorias positivas dentro dessa área de conhecimento. A autora realiza um exercício analítico de ordenação de atributos desejáveis à construção do que se define como boa teoria. O trabalho mostra uma grande diversidade de critérios considerados desejáveis ao que se define como boa teoria, e informa que, dentre todos, somente a parcimônia está presente em todos os autores trabalhados. Sem dúvida, um texto que ajudará àqueles que navegam entre arcabouços teóricos alternativos e corrente hegemônica.
Quebrando um tabu e transformando algo considerado difícil em uma linguagem acessível, Marcus P. L. Barbosa e Luiza Jardim contribuem com o texto “Aquilo que confunde ao explicar: anotações introdutórias sobre endogeneidade”. Nesse trabalho os autores introduzem o conceito da endogeneidade e os problemas relacionados às explicações causais, centrando a discussão em três problemas: erros em variáveis; variáveis omitidas e causalidade reversa; e em estratégias que endereçam tais problemas, além de trazerem alguns exemplos aplicados.
Em “QCA para iniciantes: fundamentos da Análise Comparativa Qualitativa”, Eduardo R. Tamakie Virgílio M. Araujo introduzem a Análise Comparativa Qualitativa – conhecida por sua sigla em inglês QCA – para estudos nas ciências sociais. Oferecem uma discussão conceitual do método comparativo referindo a QCA como centro do debate, as suas características e sua lógica de funcionamento. Em seguida apresentam as tipologias e suas três principais técnicas: Crip-Set QCA, Multivariate QCA e Fuzzy-Set QCA. Com base em cada uma das tipologias, os autores apresentam a estratégia de inferência e validação para pesquisas de cunho comparativo.
Por fim, para reforçar o quanto é importante o conhecimento das potencialidades e da capacidade de construção de inferências válidas a partir dos estudos de caso, a editoria convidou o professor Flávio Rezende para reproduzir, no âmbito deste Dossiê, o seu artigo “Razões e possibilidades inferenciais para estudos de caso”, originalmente publicado pela Revista Brasileira de Ciência Política, em 2011. Nesse trabalho, Rezende se propõe a discutir em torno de quatro questões centrais para o autor: o status científico dos estudos de caso numa Ciência Política orientada a produzir inferências válidas; as justificativas para tais desenhos de pesquisa; a compreensão dos desenhos de pesquisa centrados em casos; e em critérios para que se possa gerar melhores estudos de caso. O autor sustenta que os estudos de caso continuam a desempenhar papel crucial na análise de políticas públicas.
A intenção foi de que este Dossiê soasse como uma Carta Convite aos iniciantes e corajosos alunos e alunas que desejam dar os primeiros passos para consolidar o pensamento científico. Você que aspira a ser pesquisador ou pesquisadora, venha conosco! Espero que encontre na linguagem desses textos, e no conteúdo, é claro, tranquilidade para aprender mais fácil alguns passos importantes para o mundo da pesquisa.
Palavras-chave
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PDFDOI: https://doi.org/10.26694/rcp.issn.2317-3254.v11e1.2022.p%25p
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ISSN 2317-3254