Geopolítica, território e poder
Resumo
Um ponto de contato importante entre a Ciência Política e as Relações Internacionais com outras disciplinas acadêmicas tem se dado pelo debate referente à Geopolítica. Como um enfoque de estudos que busca compreender a relação entre território e poder, a Geopolítica tem permitido investigações sobre as instituições, os agentes públicos e privados, os acordos internacionais, as trocas comerciais, os conflitos fronteiriços, as espoliações de populações, as migrações internacionais, as guerras e os tratados de paz que envolvem os controles, as disputas e as administrações das estruturas territoriais nacionais, regionais e internacionais pelos Estados, os mercados e organismos multilaterais.
As diferenças e desigualdades dos territórios pelas suas ecologias, situações geográficas, economias, regimes políticos, infraestruturas físicas-sociais e formas distintas de sociabilidades com a natureza tornam a análise geopolítica fundamental para discutir como a origem e a administração do poder dos Estados estão interligadas ao agenciamento dos territórios no curso do capitalismo. As constituições das estratégias militares, das práticas políticas e das representações ideológicas produzidas pelos Estados modernos, sobre si e sobre os outros Estados, tornam-se essenciais para se refletir tanto as fronteiras externas quanto as fronteiras internas como faces da dinâmica internacional.
Nesse sentido, a Revista Conexão Política, V. 9, N. 1, de 2020, privilegia neste volume um número temático intitulado Geopolítica, Território e Poder. Aqui se reúnem textos de diferentes naturezas, empíricos, teóricos, revisões de literatura e ensaios sistemáticos sobre as interfaces que envolvem a geopolítica global, a soberania nacional, as formas de territorialização do poder político e econômico dos Estados em seus territórios e no exterior, os impactos territoriais, ambientais e sociais das assimetrias da divisão internacional do trabalho e a geopolítica da produção e da circulação de conhecimentos entre centros e periferias.
Em texto intitulado A resistência guarani contra a barbárie da "civilização": a busca pelo Tekoa Porã, da autoria de Jessica Aparecida Corrêa, de David Karaí Popygua e de Bernadete Aparecida C. Castro, são construídas as contextualizações histórica e geográfica do episódio bélico chamado pela historiografia oficial de Guerra Guaranítica (1753-1756), com destaque para a atuação da liderança Guarani Jekupe Aju (Sepé Tiaraju) na defesa do território dos Sete Povos das Missões.
O artigo de Manoel Fernandes de Sousa Neto Uma guerra também se faz com mapas discorre sobre como os mapas são utilizados antes, durante e após os conflitos bélicos, tentando explicitar, em largas tintas, como isso se deu em dois dos maiores conflitos da América do Sul: a Guerra contra o Paraguai (1864-1870) e a Guerra do Chaco (1932-1935).
A autora Suelen Rosa Pelissaro, em seu texto "Sertão acaba. Acaba?": a territorialização do capital pelo planejamento na Serra do Cabral, Minas Gerais, dialoga sobre como o Estado, em destaque a partir de 1930, facilita o acesso do capital às terras baratas e imprime com a modernização o avanço do movimento de valorização do valor sobre o sertão por meio da apropriação das terras e dos recursos naturais, enquanto expropriam os sertanejos, produzem conflitos e mudam a dinâmica de produção regional.
No texto A perspectiva da geopolítica do capitalismo para David Harvey (1975-1985), Raimundo Jucier Sousa de Assis analisa como o geógrafo britânico elabora, a partir da leitura das intensificações territoriais e das expansões geográficas, uma leitura singular da geopolítica no âmbito dos estudos da acumulação do capital e das crises do capitalismo.
Em artigo intitulado Reflexões sobre a geopolítica russa: o governo Vladimir Putin de 2012 a 2015 sob a perspectiva das ações políticas e militares, os autores Felipe Rodrigues de Camargo e Paulo Roberto Teixeira de Godoy se debruçam sobre as ações geopolíticas russas nos anos entre 2012 a 2015, período esse representado por forte presença russa nas atividades de política internacional de Anexação da Crimeia, Guerra civil Ucraniana, Sanções econômicas e Guerra Civil Síria.
No texto Algorithmic governance on the new silk road: an essay on power and technology across cities and regimes, Ricardo Andrade analisa como a China, no século XXI, tem estabelecido políticas públicas arrojadas para se tornar líder global em inteligência artificial na próxima década. O autor apresenta brevemente quatro casos de cidades inteligentes onde empresas de alta tecnologia, Estado chinês, inteligência artificial e fronteiras públicas e privadas interagem, apontando para a necessidade de novas pesquisas em áreas interdisciplinares emergentes como governança algorítmica.
No artigo Os espaços do capitalismo global: empresas varejistas, uso do território e transformação urbana no Brasil, Cláudio Smalley Soares Pereira investiga como as empresas varejistas contribuíram para a produção do território brasileiro, gerando transformações urbanas inéditas em diversos espaços urbanos de complexidades distintas, como é o caso das cidades de Juazeiro do Norte, no Ceará, e de Ribeirão Preto, em São Paulo.
Claudete de Castro Silva Vitte, no artigo Neoextrativismo e o uso de recursos naturais na América Latina: notas introdutórias sobre conflitos e impactos socioambientais, analisa como os países da América Latina, no século XXI, vêm adotando um modelo de desenvolvimento econômico calcado na extração de enormes volumes de recursos naturais, com foco em exportações, tendo com base a agropecuária monocultora, a mineração, hidrocarbonetos e megaprojetos de infraestrutura que provocam diversos conflitos e impactos socioambientais.
No texto Carajás e Gurgueia: novos Estados como ideologia para a acumulação primitiva do capital no Brasil, os autores Carlos Henrique da Silva, Flávio Henrique Soares de Alencar e Carlos Rerisson Rocha da Costa analisam os projetos legislativos de divisão territorial do estado do Piauí e criação do estado do Gurgueia, a divisão do estado do Pará e criação do estado do Carajás, entendendo esses novos territórios estatais propostos como parte da fronteira da acumulação que se expandiu e se adensa no Cerrado e na Amazônia.
Joaquim Antonildo Pinho Pinheiro, em ensaio chamado A geopolítica da produção e da circulação do conhecimento, argumenta que a produção e circulação do conhecimento nas ciências humanas se organizam a partir de hierarquias entre centros e periferias. Dessa forma, entende que fazer ciência na atualidade requer compreender criticamente as relações assimétricas entre os Estados envolvidos na produção do conhecimento, bem como os pressupostos de disputa de posições e interpretações geopolíticas que as estruturam.
Este número da Revista Conexão Política conta, ainda, com duas resenhas. A primeira é de autoria de Clayton Mendonça Cunha Filho, sobre o livro "Como as democracias morrem", de Steven levitsky e Daniel Ziblatt. A segunda, elaborada por Adan John Gomes da Silva, discorre sobre a obra "The tyranny of merit: what’s become the commom good?", de Michael J. Sandel.
O Dossiê Geopolítica, Território e Poder visa, portanto, a apresentar contribuições teóricas e conceituais em fina sintonia com as reflexões empíricas passadas e contemporâneas em torno de processos multiescalares — global/regional/local. Vale ressaltar, finalmente, que, em tempos de crise econômica e política, a leitura e a interpretação do poder, a partir das diversas experiências territoriais, poderão vislumbrar um alargamento e abertura das possibilidades de fundamentação da análise geopolítica e nos ajudar a revelar as funções ideológicas e políticas dos Estados-nações nos processos moleculares de valorização e acumulação em tempos de mais uma depressão internacional.
Teresina, junho de 2020.
Prof. Dr. Raimundo Batista dos Santos Junior
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política - UFPI
Editor da Revista Conexão Política - UFPI
Palavras-chave
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PDFDOI: https://doi.org/10.26694/rcp.issn.2317-3254.v9e1.2020.p%25p
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ISSN 2317-3254